Anorexia e Obesidade: os dois extremos

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Faz tempo que eu queria falar à respeito desse assunto, mas no fundo, precisava de tempo para reorganizar as ideias, e encontrar as melhores palavras. O exercício da escrita para mim é simples, porque as coisas vão fluindo facilmente, mas tenho sempre o cuidado de ter o tom certo, para trazer os fatos da forma mais consciente e mais precisa possível. E hoje eu queria falar sobre dois extremos que estão cada dia mais em alta na nossa sociedade, e que tem adoecido e matado muita gente: a anorexia e a obesidade. Pode parecer estranho, eu sendo uma blogueira gorda, falar sobre obesidade, até porque eu sinto que as blogueiras plus size, acabam meio que embarcando somente na valorização da auto estima da mulher gorda, sem tocar em pontos e feridas que certamente vão doer. As pessoas não comentam certas coisas porque tem medo do que o público vai achar, ficam com medo de serem criticadas, e expostas dentro desse segmento que é tudo nessa vida, menos unido. E eu posso dizer para vocês, sem citar nomes, é claro, que  muitas das blogueiras que vocês conhecem e  que falam tanto da tal auto estima GG, no fundo tecem comentários ofensivos contra outras gordas, e só enxergam nelas, um público fácil  para se tornarem influentes, conhecidas e lucrarem ($) com isso. No meu caso, eu estou meio que à margem disso tudo, porque escrevo e faço o que tenho vontade e abraço as causas nas quais eu realmente acredito. Sendo assim, eu acabo me expondo bem mais e não tendo medo do que vão pensar ou falar à meu respeito, até porque, meu comprometimento maior é em ser eu mesma.

E eu sempre quis entender esses dois extremos, porque as pessoas simplesmente param de comer e mesmo estando magérrimas ainda se enxergam gordas, e por que outras pessoas simplesmente engordam. E nos tempos do falecido Orkut, eu tinha uma comunidade que se chamava “Ana e Mia – Grupo de Apoio” e para quem não sabe, Ana é o apelido da anorexia e Mia é o apelido da bulimia, dois transtornos alimentares severos. Na época, a comunidade era referência no compartilhamento de experiências entre os membros e até mesmo de ajuda por parte de profissionais. E para mim, que nunca na vida fiquei sem comer ou fiquei forçado vômito para não engordar, era tudo muito surreal, e parecia que era coisa de filme. Na verdade criei a comunidade pela curiosidade no tema, que começou a fervilhar logo no aparecimento dos primeiros blogs. O sofrimento daquelas pessoas era real, e infelizmente até hoje é, e poucos são os profissionais da área médica que estão realmente preparados e habilitados para o atendimento de quem tem esses transtornos, e enquanto isso, as vidas vão sendo perdidas. E a questão é que pouco se fala nessas doenças, a gente só vê entrarem em evidência quando alguma novela fala à respeito, aí os casos começam a aparecer, os relatos começam a surgir, mas quando não tem novela, o que acontece? Acontece que tudo continua como está, e enquanto eu estou escrevendo esse texto, tem alguma menina começando agora alguma “dieta” maluca movida à alface e água, para perder peso e “ficar bonita”

O grande problema é que quando alguém começa a emagrecer muito, todo mundo elogia, a magreza é glamourizada de uma forma absurda à ponto de muita gente achar que só quem é muito magro é bonito. E alguém precisa avisar a esse povo que nem todo mundo nessa vida vai vestir 36, e que isso não é,  e não pode ser um problema, principalmente de auto estima. Dá para ser feliz não estando dentro dos “padrões”, e para isso o necessário é construir uma mente sadia, que consiga promover somente coisas boas para si, deixando de lado a depreciação que volta e meia a sociedade nos dá, e que a mídia nos impõe. A anorexia é algo tão terrível, que faz o corpo ir parando de funcionar aos poucos, e por fim, tendo uma falência única e exclusivamente por falta de nutrientes, quem procura e aceita ajuda à tempo sobrevive, muitos (a maioria) morre e se torna estatística. Mas quando vemos as tais semanas de moda mundo afora, quado vemos os catálogos de revista, quando vemos os comerciais das grifes, vemos pessoas muito magras, completamente diferentes das que encontramos nas ruas. Mas é esse padrão que a moda prega, é isso que eles mostram como referência para as pessoas, e por isso que gerações e mais gerações já nascem se sentindo inadequadas para o mundo.

Ao passo que do outro lado existe a obesidade, uma doença que vem crescendo em índices alarmantes. Mas o povo famoso do mundo plus size se nega a falar a palavra obesidade, simplesmente por ela se tratar de uma doença. E parece que realmente é tabu tratar do tema, porque como falei no comecinho, as influenciadoras digitais precisam falar o que as pessoas querem ouvir, mesmo que não seja verdade, e é muito mais fácil falar que a pessoa pode ser do tamanho que for que não estará doente, que continuará sendo linda, maravilhosa e poderosa, do que se dispor a um diálogo à respeito do tema. E eu falo sobre a obesidade como falo de qualquer outra doença,  e não me vejo menor ou menos importante como mulher, porque sofro dela, e certamente ter isso desconstruído dentro de mim, me facilite tanto chegar a um equilíbrio capaz de me fazer enxergar essa doença, como ela realmente é. Em maio desse ano, fui convidada a falar sobre gordofobia num evento que teve aqui no Rio de Janeiro, o Hash Tag Bazar, e eu falei de forma ponderada e educada a tal palavra que é demonizada pelo nicho plus size: obesidade. Mas sinceramente eu sinto a necessidade de não temer tratar dos temas, e eu repito o que disse naquele dia e em um outro vídeo que postei na internet (Apologia à obesidade, ou um pedido de respeito): que existem pessoas aprisionadas dentro de seus próprios corpos. E infelizmente, existem.

E por mais que a “comerciolândia plus size” tente vender a ideia de que a obesidade não existe, a realidade é cruel e bate na nossa porta todos os dias. E sinceramente, a gente precisa se amar, se respeitar e se valorizar estando de qualquer tamanho, mas não precisa se alienar e dizer que as coisas não existem, só porque a gente não quer que elas existam. É muito fácil uma menina de , 18, 20, 25 anos dizer que pesa, 120, 150, 180 quilos e não sente nada, quero ver dizer isso com 35, 40, 45 anos. Fui em um evento há algum tempo, e vi uma moça que é “militante da causa gorda” e não tive como não  reparar a forma dificultosa que ela caminhava, meio torta, esbaforida, com aparente cansaço. Uma moça que tem idade pra ser minha filha, mal aguentando levantar da cadeira e caminhar, com as pernas e os pés extremamente inchados, fiquei mal com isso. Mas na frente do computador é fácil militar, difícil mesmo é conseguir fazer as atividades, subir uma escada ou uma rua íngreme sem quase morrer, e eu nem estou falando em encontrar ou não roupas, porque temos observado que algumas marcas tem trabalhado com manequins maiores. Estou falando de algo mais dolorido do que não ter as roupas da moda, quando as pessoas vão tendo limitações físicas, para fazerem as coisas básicas do seu dia à dia.

E ninguém deixa de andar de um dia para o outro, é uma sucessão de coisas, cada dia uma, o peso forçando a estrutura óssea, a gordura comprimindo os órgãos, e da mesma forma que a anorexia vai causando uma falência no corpo, a obesidade segue destruindo tudo sem o menor remorso ou pena. E o pior de tudo é que ela segue silenciosa seu caminho de destruição, cada dia se apoderando de uma parte, de um pedaço, de um sonho, pois limita e fere, e a gente corriqueiramente, nem se dá conta disso.  Mas o fato de falar isso, não faz com que eu deixe de entender que os gordos (e nessa lista eu me incluo) são culpados por serem gordos. A obesidade não é causada por falta de vergonha, não é coisa de gente relaxada ou preguiçosa, é resultado de uma série de fatores, e o gordo não pode sofrer preconceito por ser gordo, não pode deixar de ser respeitado e visto como alguém menor por conta disso. E eu sempre aconselho que antes de qualquer coisa, que assistam a entrevista do Dr. Alfredo Halpern, médico endocrinologista que falou coisas altamente esclarecedoras no extinto programa “De frente com Gabi” no SBT, procurem esse vídeo e assistam. Esse homem viveu uma vida inteira estudando sobre a obesidade, e de uma forma brilhante, nos mostrou pontos geralmente esquecidos, tudo isso sem humilhar ou demonizar o gordo, ao contrário disso, tendo total respeito. E eu peço para todos os que são gordos, assistam essa entrevista! Da mesma forma que eu falo para aqueles que atacam os gordos, assistam esse entrevista! Poupará muita gente de sair por aí falando besteira!

E da mesma forma que a anorexia, a obesidade tem pouca gente que realmente esteja preparada para atender quem dela sofra, pois os médicos geralmente fazem os pacientes passarem por situações vexatórias, expondo-lhes ao ridículo e negando um atendimento decente. Há quem faça chacota, ria, faça piadinhas, menos atender da forma correta o obeso. E eu não estou dizendo que a gente tem que seguir um padrão, porque não, a gente não tem que seguir nada! Mas não podemos fechar os olhos e ver que já tem criança que respira mau por causa do peso, que tem adolescentes que já tem pressão alta por causa dele, que tem mulheres que não aguentam dar nem dois passos para deixarem seus filhos na escola, que tem pais que já não conseguem nem trabalhar, e alguma coisa precisa ser feita. E eu devo confessar que seguir a tabela do IMC muitas vezes é a maior furada, porque ela considera apenas peso e altura, e não leva em conta percentual de massa magra (músculos) e gordura, sendo assim, uma pessoa atlética e em forma, pode ser tida como gorda através dela. Da mesma forma que uma pessoa tida com o peso normal, pode estar com aparência de doente, de tão magra. O nosso corpo foi feito para estar em movimento, precisamos nos movimentar, e não é normal alguém que se canse com muita facilidade, que tenha uma fadiga extrema, que não consiga dar uma pequena corrida, que não consiga sentar no chão e se levantar, alguém que sinta dores insuportáveis nas articulações por causa do peso, que viva tomando um monte de remédios para estabilizar a pressão mesmo sendo jovem, enfim, não é normal viver com tantas limitações por causa do peso.

E sinceramente, o que está faltando nesse mundo é o meio termo, porque tudo é jogado em extremos de forma canibalesca. Da mesma forma que a magreza excessiva não é bonita (mesmo que a indústria da moda diga que sim), a obesidade alarmante também não é. Os dois extremos ferem, são agressivos e limitantes. Eu poderia ilustrar esse post com algumas pessoas muito gordas, que ficaram conhecidas através da sua participação nos programas do Discovery, mas acredito que ficaria agressivo, e não há necessidade para isso. E eu convido a vocês a assistirem esses programas de vez em quando, como eu assisto, para verem que a obesidade não é “bonitinha” como algumas pessoas do mundo plus size querem vender. Pessoas com os corpos completamente deformados, sem conseguir se movimentar, muitas vezes em cima de camas, mal podendo se locomover. E aí você pensa: “Ah, mas isso nunca vai acontecer comigo!”, e sinceramente, pode acontecer com qualquer pessoa, não estamos livres de nada, por isso que precisamos nos precaver. E aqui no Brasil conheço vários casos, e não é só por internet, não, mas jamais exporia as pessoas, porque as respeito e admiro por sua luta e história de vida. E quando eu falo sobre respeito e admiração, é porque eu não vejo que nós que somos gordos sejamos dignos de pena.  Eu acredito que a abordagem do tema obesidade é totalmente equivocada, mas nem por isso podemos parar de falar sobre ela e vê-la com olhos romantizados que adoçam a realidade com adjetivos como gordinha, fofinha, plus size. Até porque a palavra gorda não deveria soar ofensiva.

Eu sei e compreendo que o gordo é tratado como lixo, e aparecem fiscais da saúde alheia dando palpite em tudo, e quando a pessoa fuma, usa drogas ou bebe, ninguém gasta seu tempo dizendo que faz mal à saúde, e isso eu também falo no vídeo que eu citei acima. O gordo é o mais policiado, o mais oprimido e o mais maltratado, tudo por uma boa causa, “a preocupação das pessoas com a sua saúde e bem estar” – ah, me poupe! E hoje sinceramente, não tenho o menor desejo ou pretensão de ser magra, mas posso dizer que já tive bem menos peso que hoje, mas já pesei bem mais também, e quando estava mais gorda, sei como funcionavam as coisas, e por conta disso, eu faço tudo pra me manter no que estou e/ou perder  o que já tenho. Eu não posso soltar o freio de mão e deixar acontecer, não posso deixar de me preocupar, não posso deixar de me policiar, porque uma das coisas que eu mais amo, é a liberdade de poder ir e vir, estar em qualquer lugar que eu quiser. Não quero ficar presa, limitada, aprisionada dentro de mim mesma, eu preciso viver! Mas eu decidi que vou viver gorda, acima do peso, mas uma gorda, mas uma gorda que se movimenta, que faz atividade física, que não come um monte de besteiras o tempo todo, uma gorda que investe em si mesma e faz de tudo pra se manter feliz.

Estou convidando vocês a fugirem do padrão, mas não abandonarem a razão. Nas Olimpíadas e Paralimpíadas vi tantos atletas acima do peso, fazendo coisas lindas, vencendo limites, ganhando medalhas e sendo aplaudidos, que não tive como não me inspirar através deles. Os médicos sensatos sabem que uma pessoa acima do peso que se movimenta e faz algum tipo de atividade física, tem muito mais saúde que uma pessoa magra que não se exercita. O importante é fugirmos dos extremos, até porque, eu sei exatamente qual o meu limite de peso, o número máximo que eu permito ver na balança, mas a realidade é que cada um sabe de si. Do seu limite, só vocês sabe. E mais uma vez, não se trata de ser gordo ou magro, se trata de não se permitir prender, de não se deixar aprissionar.  E não se deixem influenciar pela tal “militância da causa gorda” porque muitos dos que se apregoam tão seguros e repletos de auto estima nas redes sociais, na realidade são totalmente inseguros e tristes, e a gente não pode viver numa bolha de gordos, pois é fácil falar que se ama e se aceita, quando se está diante de pessoas iguais e/ou semelhantes, o desafio de verdade, é na vida real, do lado de fora da vida, onde tem gente de tudo que é jeito ao nosso lado. É preciso aprender a se amar, se respeitar e manter a auto estima em alta, mesmo no meio das pessoas magras, mesmo diante daquelas que são padrão, porque percebo que essa militância mais segrega as pessoas em guetos, do que realmente as prepara para a vida real.

Tudo o que falei foi de coração, e por observar muitas coisas nessa vida, e talvez muita gente não entenda e teça comentários nada bondosos à meu respeito, mas sinceramente, já estou acostumada e faz tempo que não ligo mais, pois muito mais importante do que ser aplaudida pelas pessoas, é minha consciência de dever cumprido, de saber que eu estou fazendo a minha parte, e usando esse espaço para trazer verdades que apesar de ácidas, nos são totalmente necessárias. Certamente muita gente vai se identificar com o que eu disse, mas no fundo vai ter um certo medo de dizer que concorda, porque sabe exatamente o peso de ratificar uma opinião como a minha, mas se você não quiser se manifestar, não precisa, apenas reflita, e entenda que essa gorda aqui  não tem motivo pra sair por aí atacando as pessoas, apenas usa seus textos e vídeos para fazer pensar, questionar e se surpreender. Sendo assim, se permita pensar por outro ponto de vista, faz parte do processo.  Quando às escolhas, elas são pessoais e por conta disso, cada um faz as suas. Respeito todas e invisto sempre nas minhas.

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