Cirurgias plásticas e o sentimento de inadequação de Ludmilla

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Muito tem se falado à respeito das plásticas que a Ludmilla tem feito. Muita gente achando o máximo, mas um número ainda maior de pessoas criticando a cantora. E de repente me pus a pensar o motivo de tantas críticas, e porque as pessoas são tão cruéis em suas palavras, deixando ofensas nas suas redes sociais. Pra começo de conversa, Ludmilla tem todo o direito de se submeter ao procedimento estético que quiser, e acho mesmo que quando estamos descontentes com alguma coisa em nosso corpo, devemos intervir, desde que seja com cautela, cuidado e bom senso.  E infelizmente temos que constatar, que as críticas são maiores à ela por ser negra. Ela tem sido acusada de não se assumir negra, de querer ser algo que não é, de querer virar branca e de tantos outros absurdos que não merecem ser citados aqui, mas o fato é que quando uma mulher branca faz plástica no nariz, estica o rosto, aplica botox, faz preenchimento nos lábios, coloca silicone nos seios, no bumbum e lipoaspira o corpo, ela nunca e acusada de querer deixar de ser alguma coisa.  As pessoas simplesmente aceitam, incentivam, acham lindo, e apoiam.

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Eu particularmente acho que ela começou as intervenções cedo demais e que não precisaria de tanta coisa, mas ela é só uma menina exposta na indústria da música, e tentando se manter no topo. E para isso, ela precisa se “enquadrar” num padrão estético imposto pela mídia, pelas pessoas, pela sociedade, pelo público. Acho deprimente que seja assim e que os traços dos negros ainda sejam vistos de forma pejorativa por muita gente, acho terrível os comentários que tem sido feitos à respeito da filha da Beyoncé, mas as pessoas são assim, pequenas e muitas vezes, mesquinhas. E foi depois que a Ludmilla assinou com a Warner, uma grande gravadora internacional, que ela veio querendo se tornar uma “negra padrão”, do tipo que a sociedade acha bonita a atraente.  Tenho percebido que ela quer desesperadamente se parecer com as cantoras internacionais, ter o seu estilo, o seu jeito e a sua aparência, e  desde então, ela vem fazendo plástica em cima de plástica e eu não sei como tudo isso vai terminar, porque ela já está ficando estranha. E eu queria muito que alguém próximo dela conversasse com ela, e a fizesse enxergar o quanto é linda e que não precisa fazer mais nada para provar isso pra ninguém. Aliás, que lhe dissesse que ela sempre foi linda!

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E toda essa história me remete à Michael Jackson, e a sua necessidade de superar os insultos que sempre ouviu do pai, e forma como nunca aceitou o seu rosto e mutilou seu nariz, com as inúmeras intervenções cirúrgicas que fez. Porque o mais perigoso da cirurgia plástica, não é ela em si, mas o que ela desencadeia dentro de alguém que tem problemas de auto estima e aceitação, e nunca consegue enxergar quando já está bom. São esses constantes retoques que vão limando a alma, que vão levando pedaços de sentimentos bons e deixando no lugar a insegurança e o medo. No fundo as pessoas querem que todas as negras sejam Beyoncé, que se pareçam com ela, porque a “negra aceitável” é aquela de traços finos. Eu inclusive ouço desde cedo, pela boca de pessoas sem noção, que eu nem pareço negra por causa dos meus traços, e já houve até quem falasse: “ela é negra, mas é bonita!” Vocês acham que fica como a cabeça das meninas que desde cedo crescem ouvindo que seu nariz é largo, que seus lábios são grossos, que seu cabelo é duro? Elas tentam desesperadamente se encontrar dentro de si mesmas, buscando algo que do lado de fora, aqui nesse mundo chamado real, elas não encontram. E muitas sem forças se deixam sucumbir e acabam acreditando que não tem valor, nem talento e muito menos beleza, porque não são iguais às mulheres que veem na TV e nas revistas.

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E eu sigo acreditando que a gente pode ser como quiser, da maneira que quiser, e das mais variadas formas. Mas sempre por causa de si mesma, nunca para agradar os outros e seus desejos. Que ela tenha um milhão de perucas, qual o problema? Acho o máximo aparecer todos os dias diferentes, e ela mesma nem liga em ser vista sem elas, pois volta e meia posta fotos mostrando as trancinhas nagô que usa por baixo das perucas. O grande problema, é perceber que cada dia as cobranças estão maiores, porque mesmo os que se dizem fãs, estão sempre apontando defeitos, exigindo “novidades” e no fundo, novos procedimentos estéticos. Mesmo magérrima como ela é, tem sempre alguém que vai lá nas fotos e diz que nessa ou naquela, ela apareceu mais gorda, que está barriguda, com culotes, e ainda tem o agravante que a TV engorda horrores qualquer ser humano vivo. Então é sempre esse desespero de ter que agradar o público, de ser a tal “negra de padrão aceitável”, de ter que ter a beleza que as pessoas admiram, abrindo mão da sua própria beleza, além de ter que produzir, gravar, fazer shows, faturar, ter milhões de views nos vídeos no youtube, aumentar a base de fãs nas redes sociais. Percebem como tudo isso consome, fere e dilacera?

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E dói demais perceber que nós mulheres negras, temos um fardo ainda mais árduo, porque além do machismo, temos que lutar contra o racismo de todos os dias. E não é só com ele que temos que lutar, temos que lutar contra a indústria da beleza, que a todo custo quer nos empurrar padrões para serem seguidos, a sociedade que só celebra a juventude e despreza a experiência das mulheres maduras, e ainda o peso de termos que ser perfeitas em tudo o que fazemos. Somos cobradas por todos os lados e o pior de tudo,  é quando sucumbimos e começamos nós mesmas a nos cobrar desesperadamente, pois vamos nos exaurindo e nos aniquilando, perdendo as forças que moram dentro de nós mesmas. Quando vejo a Ludmilla se transformando nessa pessoa estranhamente perdida, só penso que tantas e tantas outras Ludmillas estão por aí, mesmo sem intervenção plástica (por conta da falta de dinheiro, na maioria esmagadora das vezes), mas se enxergando inadequadas para esse mundo, e se julgando não merecedoras de atenção, admiração e respeito. E em todas as oportunidades que eu tiver, eu vou dizer para que vocês se amem, se aceitem e não deixem de se valorizar e de se querer bem em nenhum momento da vida.

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Queria tanto à vinte, vinte e cinco anos atrás, saber tudo o que eu sei hoje! Como eu teria me poupado de sofrimento, de angústia e de dor. Mas os tempos eram outros e no meio da minha insegurança e do meu sentimento de inadequação, eu não tive muito pra onde correr quando algumas questões existenciais começaram a bater ponto na minha cabeça. E é impressionante como a gente sempre acha que não é perfeita o bastante, que não vai conseguir ser plenamente feliz com quem somos, até porque, tem sempre um monte de gente nos jogando isso na cara todos os dias, através do seu preconceito camuflado de cuidado. E olhando minhas fotos antigas, fico pensando no tempo que aquela menina bonita perdeu acreditando que era feia, só por não estar nos tais padrões, mas como não dá pra voltar no tempo, sou imensamente grata à Deus  pela mulher que me tornei, centrada, decidida e senhora de mim, sem depender da aceitação de ninguém.  E  hoje, temos tanta informação, tanto conhecimento e tantos recursos na internet, que não podemos nos privar de levar ao maior número de mulheres possível, que a maior revolução que podemos fazer por nós mesmas, é nos aceitarmos por completo.  E talvez Ludmilla só precise disso, ter a ousadia necessária para revolucionar e reencontrar com sua verdadeira essência. Seja como for, torço por ela.

Sem tags 1 Comentário 0
1 Response
  • Cléa Rodrigues
    outubro 6, 2016

    A Ludmila está linda! O povo fala muito, ainda mais se for negro (a).

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